Contos fantásticos do século XIX

Então o miserável Eustache começou a gritar tão alto e a chorar tão amargamente que dava uma grande pena.

“Puxa vida!, meu caro amigo”, disse-lhe mestre Gonin. “por que se revoltar assim contra o destino?”

“Minha mãe do céu! Falar é fácil”, Eustache soluçou, “mas quando a morte está aí bem perto…”

“Ora essa! Afinal, o que é a morte, que a gente deve se espantar tanto?…Considero que a morte não vale um tostão furado! ‘Ninguém morre antes da hora!’, disse Sêneca, o Trágico. Será que você é o único vassalo dessa dama da foice? Eu também sou, e aquele ali, e um terceiro, um quarto. Martin, Philippe! A morte não tem respeito por ninguém! É tão atrevida que condena, mata, e pega indistintamente papas, imperadores e reis, assim como prebostes, policiais e outros canalhas do gênero. Portanto, não se aflija por fazer o que todos os outros farão mais tarde; a situação deles é mais deplorável que a sua; pois, se a morte é um mal, só é mal para aqueles que têm que morrer. Assim, você só sofrerá mais um dia desse mal, e a maioria dos outros sofrerá vinte ou trinta anos, e ainda mais. Um antigo dizia: ‘A hora que lhe deu a vida já a diminuiu’. Você está na morte enquanto está na vida, pois quando não está mais em vida você está depois da morte; ou, melhor dizendo, e para melhor terminar: a morte não lhe concerne nem morto nem vivo, vivo porque você existe, morto porque não existe mais! Que esses argumentos lhe bastem, meu amigo, para encorajá-lo a beber esse absinto sem fazer careta, e daqui até lá medite ainda sobre um belo verso de Lucrécio, cujo sentido é o seguinte: ‘Viva tanto tempo quanto puder, você nada tirará da eternidade da sua morte!’.”

contos fantasticos

O livro, organizado por Ítalo Calvino, está dividido em duas partes. Na primeira, o “fantástico visionário”, com contos das primeiras décadas do século (XIX, bem entendido), predominam as figuras sobrenaturais que se materializam, enquanto que na segunda, o “fantástico cotidiano”, o fantástico é menos concreto, dando-se ênfase às sugestões psicológicas.

Como Calvino cita em sua introdução, “o elemento sobrenatural que ocupa o centro desses enredos aparece sempre carregado de sentido, como a irrupção do inconsciente, do reprimido, do esquecido, do que se distanciou de nossa atenção racional. Aí está a modernidade do fantástico e a razão da volta do seu prestígio em nossa época”.

Os autores presentes nesta coletânea são: Jan Potocki – Joseph von Eichendorff – E. T. A. Hoffmann – Walter Scott – Honoré de Balzac – Philarète Chasles – Gérard de Nerval – Nathaniel Hawthorne – Nikolai V. Gogol – Théophile Gautier – Prosper Mérimée – Joseph Sheridan Le Fanu – Edgar Allan Poe – Hans Christian Andersen – Charles Dickens – Ivan S. Turguêniev – Nikolai S. Leskov – Auguste Villiers de l’Isle-Adam – Guy de Maupassant – Vernon Lee – Ambrose Bierce – Jean Lorrain – Robert Louis Stevenson – Henry James – Rudyard Kipling – Herbert G. Wells.

Nota: 8,5

Ficha Técnica
Editora: Companhia das Letras
Autor: Vários (org. Ítalo Calvino)
ISBN: 8535905022
Ano: 2004
Número de páginas: 520

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